terça-feira, 5 de julho de 2011

A Promoção





A Promoção



 N´aquelle dia chegou o Jonas para o trabalho no seu habitual e indefectível horário aprazado. Era vezo seu, que supunha o emblema de seu carácter irrepreensível.
  Na repartição alguém lhe disse que lhe queria falar o Almeida. Este era seu superior; ficava encarregado de quanto dizia respeito aos sinistros de automóveis e com o Jonas mantinha estreita relação de sympatia.
 “Meu Amigo!...”, saudou-o o Almeida. “Senta-te, meu caro, que te trago uma nova...”. O Jonas se não abalou. O Almeida inda quando se queria  referir  d´uma  disenteria fazia os mesmos prolegômenos. “Escuta: sabes que te tenho por meu mais íntimo amigo, não sabes?!... e por isto não admitia jamais que lhe comunicasse isto um outro qualquer, um subalterno, um... um contínuo...”. O Almeida tinha horror aos contínuos. Tinha horror a todos os que, na sacra hierarchia da companhia, eram-lhe inferiores. “O caso é o seguinte, meu caro: Tu estás promovido... estás e ficas promovido, que achas?...”. O Jonas festejou timidamente o que, retumbante e fragorosamente, lhe estava augurando o Almeida. “Escuta!... escuta Jonas!... é já a tua hora meu caro!... exara nesta cara um sorriso, homem!...”, implorou o Almeida.



O Orixá



 O Almeida inda o advertiu ao vê-lo transpor o batente: “Ficas promovido, homem... promovido, viu?”.
 Cerrou a porta o Jonas e deu co´os colegas de repartição imobilizados n´um estranho rictus de ansiados. “Fico eu promovido desde já”, disse ao fim de alguns angustiados segundos de hesitação. Todos o vieram congratular, felicitando-o com eloqüentes expressões de enthusiasmo e admiração.
 “ Eu já o sabia promovido Sr. Jonas...”, segredou-lhe a Norma. E co´o desassombro de quem não o podia crer tornou-lhe o Jonas: “Espera que eu a acredite?”, ao que lhe respondeu: “Como não?!... se quem m´o disse foi meu Orixá...”. Prompto!... O Jonas, que se ufanava de ser cristão católico, conteve-se a custo. De facto o que lhe queria ter tornado era isto: “ Pois este filho d´uma meretriz, empós toda uma década de ininterruptas humilhações, descomposturas, desconsiderações, o Diabo!... este vilão, quando se dignou a fazer-me uma delicadeza fê-la encomendando-me a uma irrisória promoção?!...” Sim, pois a tão festejada promoção que, em coro, toda a repartição celebrava o fazia assistente do supervisor de sinistro do quarto andar, isto é: de cousa alguma o fazia ninguém.
 “ Pois se o Sr. Jonas o quer saber, me disse Oxossi que seria em breve promovido um meu conhecido, uma pessoa de minhas relações profissionais...”, disse-lhe a Norma, a que acrescentou: “ O Sr. o que devia é agradecer, dispondo-se a uma visita a nosso barracão... para as funções de praxe, não?!... Deixo-te o meu telephone... e repito-o: o Sr. o que devia é agradecer.”.



Católico!



 Lembrou-lhe isto que a Norma gozava d´algum prestígio na repartição, em que todos a tinham por experimentado vate das desditas alheias. Certa feita, segundo o haviam dito, predissera minuciosamente a agonia e morte do Director Pacheco, o que definitivo a consagrou no elenco das superstições do escriptório.
 Na sexta-feira elle a abordou: “ Escuta Norma, Tu sabes que sou cristão católico, não?... Ca, tó, li, co!... eu nada devo a este teu orixá, como não assento fé em bruxarias, ouviste?!  ”. A Norma, enregelada co´a ameaça tonitroante do Jonas, balbuciou umas desculpas lacrimosas, inaudíveis. O Jonas, orgulhoso de seu triunfo, abotoou ao peito o seu galardão, aprumou o passo e bateu rumo ao quarto andar.
 Não obstante se não lhe despegava do espírito o vaticínio da Norma. O Jonas, sem ser supersticioso, tinha, lá, suas reservas. Lembrou-lhe o Caso do Director Pacheco, inda uma vez. E Desancar assim a protegida d´um orixá não era cousa de bom aviso, que isto o fazia um desafecto de Oxossi. Tudo isto muito o repugnava, quanto o trazia preocupado. Quem assim dispunha dos dias fastos, também dos nefastos podia dispor. “Senão aceder no convite, talvez fosse aconselhável desculpar-me co´a Norma, não? “, reflectiu consigo. Depois concluindo: “ Desculpo-me já... e devolvo tudo à sancta paz de Nosso Senhor!... “. Assentou nesta decisão, mas o que disse à Norma foi isto: “ Escuta Norma: Vou ao teu barracão, que não quero imbróglio com orixá algum, viu?... só por isto. Vou, agradeço, e me volto sem débito ou crédito, certo?!...”.



És Filho de Ogum



 “ Oh, Jonas!... Vem cá, homem, que te quero falar... quero mesmo tua opinião...”, lhe dizia o Almeida, já no passeio, empós o expediente. “Sabes que sou teu amigo, não?... e que te tenho por um irmão...”, exclamava o Almeida n´um assomo de sentimentalismo fraterno. Abancaram-se a uma mesa do Café Balthar, pois o Almeida achava prudente palestrassem co´a maior discrição. “ Conheces a Norma, não?... Pois, então, esta pequena me tem sido um tormento... eu lhe disse que era casado, disse... compreende, meu caro?!... eu lhe disse!...”. O Jonas se não surpreendia. Conhecia o Almeida, sabia-o farejador de anáguas e hidrópico femeeiro. Aturdia-o que fosse a Norma esta sua nova eleita, mas apenas porque esta ficava-lhe muitos degraus abaixo na hierarchia da companhia e o Almeida... Todos o sabemos: tinha horror aos seus subordinados. “ E agora, meu caro... anda agora a ameaçar-me co´a vigilância sacrílega de seu orixá... Deus seja louvado!...”, e persignava-se, contrito, maníaco. “ Está a exigir-me que deixe minha mulher para esposá-la co´a benção de Oxossi... Vê se pode, Jonas?! Eu, que sempre dediquei-lhe o melhor de meus lazeres... que, com o sacrifício de minha vergonha, veja bem, de minha vergonha!... a admiti entre minhas preferidas; Eu, que lhe tenho feito a honra de estar entre minhas confidentes, dizendo-lhe tudo, meu caro, tudo quanto me aflige... outro dia mesmo lhe confidenciava a nova de sua promoção, meu amigo... e  dizia isto muito antes de o dizer a ti, que é meu amigo... tu sabes, não?... és quase um irmão para mim...“. O Jonas não mais o ouviu. Ouvia à Norma apenas, dizendo-lhe, empós o final das funções, já ao pé do morro em cujo cume ficava o seu barracão: “ Oh, seu Jonas... agora o Sr. já sabe: és filho de Ogum... o Sr. volta a fim de cuidarmos de seu orixá, viu?!...










3 comentários:

Nívea Paula disse...

O receio do mal contido no subconsciente humano é extraordinário. Deixar-se levar pelos rituais de nomes e codinomes associando-os a devoção e ou medo nos fazem exaltar com o mais profundo fervor o dogma de todas as religiões.
Por Nívea Paula Gouveia

Andressa Copelli disse...

Wagner, gostei do ambiente e principalmente do humor. Te confesso, minha preocupação: medo de tua mão pesar sobre o tema que aborda. Mas foi brilhante, de novo.

Anderson Daniel disse...

Caro Rogério,
Continuo ligado no seu trabalho, parabéns pelo novo blog.
Abração!